
Não, recuso-me a acreditar que partiste!
A tua doçura continua a assustar-me
e a despertar-me alvorada sim, alvorada não.
Mas não te sinto. E procuro-te.
Levanto-me e acendo mais um cigarro,
só na esperança de ver o fumo desenhar-te
na minha noite branca.
Branca. Incolor como tu.
Se ao menos eu entrevisse nestes suspiros uma sombra azul...
Mas tu recusas materializar-te para mim!
Mostra-me uma só vez a tua ferida de cansaço
de que tanto me falavas,
naquelas madrugadas insensatas.
Parecia que não tinham fim
as noites em que, de mansinho, me levantavas da cama.
E depois, quando o sol, preguiçoso,
bocejava à minha janela,
os lençóis já estavam gelados,
com a ausência do meu corpo
e da minha alma,
que eu te dava sem receber nada em troca,
além daquela inoportuna sensação de abandono.
Já não conseguia deitar-me.
Não, recuso-me a acreditar que partiste!
Ironia do destino, não?
Antes, o que mais queria era que te fosses embora.
Todos os dias criava um estratagema para te ver partir.
Agora, já não me sinto sozinha e não me consigo conformar!
Tu não tinhas forma, cheiro, cor.
Tu não tinhas rosto.
Tentavas desenhá-lo no fumo dos meus cigarros. Em vão.
Desenhavas tudo.
Até coisas que, tal como tu, nunca assumem formas:
dor, mágoa, cólera, resignação, dor.
Mas tu nunca conseguiste materializar-te. Nunca.
E dizias, ainda, que a culpa era minha.
Atiraste-me sempre com a culpa e com a frustração que sentias
por não saberes pintar-te.
Vi-te sempre branca.
Azul, encarnado, castanho, verde eram aguarelas
que secavam na tua paleta,
sempre que tentavas desenhar-te.
E eu sempre na esperança de te entrever no fumo dos meus cigarros.
Não, recuso-me a acreditar que partiste!